Eu não consigo levar publicidade a sério

O comercial da Elo interrompeu um vídeo no youtube. Nele, Alcione, Bela Gil e Fábio Júnior aparecem usando o cartão, mas tão rapidamente que suas expressões mal marcam a retina de quem vê.Uma mão aproxima o cartão de uma máquina, e corta para um dos três sorrindo, em sequência. O comercial se encerra com alguma mensagem - ou call to action? - incentivando as pessoas a aderirem o cartão.

Da minha cama, pisco lentamente, tentando processar o que vi.

Qual daqueles sorrisos famosos deveria me convencer a comprar o produto em questão? Quem vê um comercial desse e pensa “Caralho, eu preciso ter o mesmo cartão que o Fábio Junior?”

Eu sei que publicidade não é sobre o produto em si, mas sim sobre a ideia da coisa. Os comerciais da Coca Cola não vendem o refrigerante, mas sim que você pode ser feliz e ter amigos.

Mas há de se pensar: que ideia se vende com certos comerciais? Adoro a Alcione, mas pouquíssimo me interessa a escolha dela de cartão de crédito. Uma pesquisa no Google me revela que isso, na verdade, faz parte da “maior mudança de marca” da história da empresa, que visa “reforçar sua conexão com os brasileiros” - a palavra “Brasil” aparece 18 vezes no release - e envolve um sem fim de outras coisas, como mudança da logo, das cores e etc.

Tenho certeza que essa mudança envolveu muito trabalho, mas é dificil não pensar que boa parte do trabalho se deu na parte da justificativa da mudança. Pois, francamente, quem olha para o seu cartão de crédito, seja ele qual for, e pensa “putz tá faltando um toque de brasilidade aqui”.

Essa simplesmente não é a relação que a maioria dos usuários tem com seu cartão de crédito, e só digo “a maioria” pois me falta arrogância de um sabe-tudo para afirmar que ninguém tem essa relação com cartão de crédito.

Essa é a minha questão com o ponto de “vender a ideia, não a coisa”, pois muitas vezes a ideia está completamente desconectada da maneira que as pessoas se relacionam com o produto ou serviço anunciado. O campo publicitário me parece sempre tendo que justificar a si mesmo. “Eu juro que essa decisão não foi feita por um designer precarizado e de saco cheio, eu prometo que essa linha verde no cartão é extremamente importante”.

Mas faz sentido, afinal, ninguém quer trabalhar com coisas sem propósito. Se torna uma questão de saúde mental se convencer que seu ofício, embora as vezes fique um pouco bobo. Outro exemplo, esse post no LinkedIn, que teve o seu estopim com uma suposta criança na fila do Burguer King perguntando ao pai porque o nome dela na tela não tem coroinha. Sendo justo, a uma série de reflexões de natureza prática no post, pois fala o óbvio: comprar pelo aplicativo dá desconto pro cliente e ele espera menos. Contudo, ele também envereda por observações que não cabem na relação de qualquer pessoa sã com uma empresa de fast food, colocando a tal coroinha como uma “medalha” de status digital, capaz de criar um “gatilho de desejo” para quem vê. Eu sei que esse é o olhar técnico da questão - minhas poucas aulas de publicidade na faculdade serviram para algo - mas ninguém encara as coisas dessa forma. O que importa para uma pessoa usar o aplicativo é o desconto e a celeridade, fim. Tudo além disso é superfluo. Mas talvez esse seja o ponto da publicidade, ao final. Nos tocar em nossos aspectos mais rasos e nos convencer de que eles, na verdade, importam, ou oferecer versões comoditizadas das coisas belas da vida, enquanto limpam sua própria imagem. Afinal, enquanto a Coca-Cola faz comerciais bonitos, ela deixa 800 familias mineiras sem água. Mas tão bonitinho o urso polar nas propagandas de fim de ano, né?